23 de junho de 2014

especte, expecte

Não fazia sentido
A cortina fechada
O interruptor
Nem a comida processada

Qual a importância de a luz estar ou não acesa?
Se meus cabelos estavam penteados ou desgrenhados?
Se eu falava ou não a língua das pessoas que entravam e saíam

Eu olhava para todos os cantos do quarto em busca de um sinal
Qualquer coisa que revelasse a intenção do diretor daquela cena

Mas não
Eu não enxergava cores que pudessem denunciar uma intenção
Não havia linhas nem posicionamentos de câmera que dessem pistas
Prelúdio ou trilha sonora que me preparasse
Nada que eu pudesse
Não, eu não conseguia traduzir e compreender
A cena da minha própria vida

Era meu mundo suspenso
Como um animal abatido na câmara de refrigeração
Enganchado, sem vísceras, à espera de um carimbo
De um destino

Eu, suspensa no ar
Flutuava sem gravidade
Como se por trás dos meus olhos e da minha dor não houvesse uma alma instalada
Ela devia estar flanando pelos corredores do hospital
Sentindo cheiro de flores no chão
Lendo placas de almas recém-encarnadas

Não de repente, mas em meio à minha ausência
Ao meu devaneio vazio do nada
Percebi
Sinapse
Um sinal

Estava ali, o tempo todo
Pregado na parede, diante da cama, bem na minha frente
Mais rente impossível
Colado aos meus olhos
Era um sinal

Enfim, o meu sinal
Eu me agarraria a ele, mesmo sem fôlego
Mesmo no dia em que o medo sussurraria no meu ouvido
Mesmo no dia em que o medo gritaria e cuspiria na minha cara
O meu medo, o medo dos outros

Sim, o meu sinal era tão presente
Podia ser visto de qualquer ângulo daquele quarto
Ele estava lá, imperioso
O relógio.

Não tiquetaqueava alto nem badalava como um relógio bergmaniano
Mas era igualmente presente
Magnânimo
Assombrando a vida

Respirei fundo.
Compreendi.
Esta é uma lição de tempo

A maior lição da minha vida é
O tempo

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