24 de junho de 2013

surpresa

Você sempre ouviu dizer que a vida mudaria quando você se tornasse mãe. 

Você pensou no máximo possível imaginável de mudança, porque sua mente racional e analítica (características supervalorizadas pelo seu século e esperadas de mulheres como você, profissional competitiva) sempre trabalhou com margens além e aquém do esperado para poder administrar uma constante mais ou menos constante, uma vez que as variáveis já teriam sido vislumbradas na sua cabeça. 

Mas é
muito
muito
muito mais do que você esperou que fosse, na hipótese mais absurda que pudesse algum dia ter passado na sua cabeça.

Primeiro, emoção+amor+medo+já era! Não tem mais volta. E no meio daquele sentimento lindo e colossal que você nunca imaginou que pudesse sentir por um ser-aspirante-a-pessoa, tem: A minha liberdade! O que eu faço com ela?

Depois, crise de identidade. Sim, a começar pelo motivo mais óbvio e simples: você não é mais “eu”, você é “nós” (no mínimo dois). De um singular que o seu cérebro se programou desde quando a sua cara ensebada viu o mundo até o dia em que as duas listras vermelhas viram você, você se transmuta num plural, assim, simples assim, como alguém resolve trocar a marca da manteiga. Imagino o cérebro durante a gestação: E-e-ei, como assim? Bom dia para vocêS?! Eu amo vocêS?! Como estão vocêS?!

, você vai lá, passa uma gestação tranquila e feliz, faz uma previsão, com margem de trinta dias “pré”, trinta dias “pós”, calcula todas as efemérides e faz um gráfico das possibilidades astrológicas do mapa natal do seu futuro bebê.

Um belo dia, você acorda, vai trabalhar, volta, dorme e – plim! – seu bebê resolveu nascer (afinal, a vida é dele). Você não está com a mala pronta, não está com o quarto pronto, não está com a vida pronta. Você está com a roupa do corpo, esperando alguém dizer que foi só um susto.

Não, não foi.

(Se você acha que controla a sua vida, você é uma idiota. Se você é mãe e acha que controla alguma coisa na vida do seu filho, você é mais idiota ainda.)

Um outro belo dia, mesmo depois de perceber que a vida de mãe não é a que você leu na Pais&Filhos, que o cursinho de gestante não serviu para nada e que a sua velha expectativa foi enterrada num buraco bem fundo, junto com aquela identidade pré-maternidade, você acorda às cinco e quinze da manhã, olha para o seu bebê no berço – com um sorriso banguela de bom-dia – e pensa:

– Meu Deus, eu sou a pessoa mais feliz do mundo! 

11 de junho de 2013

um filme-homenagem























Quando fui assistir pela primeira vez a Le voyage du ballon rouge, na fila do cinema encontrei uma mulher (gentil, discreta, agradável) que começou a puxar papo comigo. Trocamos algumas palavras e ela me contou que tinha escolhido aquele filme porque tinha visto, anos atrás, Le ballon rouge, o média que serviu de inspiração para este longa. Achei aquilo incrível. Afinal, é para poucos o privilégio de poder ter visto este clássico no cinema, numa mostra. Além do mais, gosto dessa sensação de diferentes propósitos para um mesmo fim: ela estava ali, na expectativa de uma experiência ao menos próxima da que tinha vivenciado anos atrás; eu, bom, eu só tinha grifado uma sinopse de quinze palavras “que me diziam algo”. Nós nos encontramos na saída. Ela tinha gostado do filme; eu tinha adorado. Com aquela cara-amassada-pós-sessão, saí da sala encantada pela simplicidade do que eu tinha visto.

Le voyage é um filme lindo, leve, que retrata um balão, um garoto. Paris. Sua babá, sua mãe. Tive a sensação de assistir a um momento da vida daquelas pessoas, com um toque de poesia, de fábula. Tudo é bastante trivial, faz parte do cotidiano daquela criança, faz parte do universo da infância – inclusive o balão. Mas a delicadeza é que, embora o balão faça parte deste universo e seja também trivial, a forma como ele aparece no filme não é. Sempre à espreita do garoto, o balão é livre, e suas aparições parecem querer nos mostrar que há... algo mais. E há: a imaginação. Com mais liberdade – e permissão – na infância, mas não restrita a ela (no filme, a babá tem o cinema, a mãe tem as marionetes), a imaginação está em todos os lugares, em todas as pessoas.

Mesmo sem pensar, assim, no que há de mais sublime, adoro Le voyage pelo retrato honesto das pessoas. A mãe agitada, a babá tímida, o menino espontâneo; a relação entre eles. As cenas do balão sobrevoando Paris – a câmera seguindo seu mesmo ritmo, “despretensioso” – são de uma beleza única. Ah, e Juliette Binoche faz o papel da mãe. Sobram motivos para querer rever este filme.




Le voyage du ballon rouge (“A viagem do balão vermelho”) é um longa-metragem de 2007, dirigido por Hou Hsiao-Hsien. Le ballon rouge (“O balão vermelho”), o média-metragem homenageado, é de 1956, dirigido por Albert Lamorisse. Lindos, os dois.

Sobre a imagem lá em cima: pôster criado por Kayan ChanCopyright © 2011 Kayan Chan. (Reprodução gentilmente autorizada pela  artista.)

5 de junho de 2013

primeira conversa

Mãe tem que ser forte, ela me disse.

Putz, doeu.
É batido, tá. Eu já sabia, já.
Mas é diferente quando você sente a frase, não apenas ouve.
Respirei fundo: eu não aguento mais.
Eu também não. (Surpresa.)
Ela também deve ser mãe, pensei.
Mas o que mais eu tenho que fazer?? Entrar lá, vestida de palhaça, como se nada estivesse acontecendo?

Não era isso. Eu só tinha que continuar.
Meu filho precisava de mim. Forte, em pé, controlada.

Controle??
Uma vez, Saturno riu da minha cara:
Querida, você acha que controla alguma coisa? Ilusão!
Ah, mas é tão bom viver dela...

Enxuguei as lágrimas, lavei aquela cara imensa e voltei.

– Oi, meu amor. Está tudo bem. A mamãe está aqui.