1 de novembro de 2013

depois da chuva

Outubro se foi, nostálgico e sem mostra.

(Quem é paulistano da Paulista – de nascimento ou de alma – entende o que eu quero dizer apenas com esta palavra: mostra. Para quem não é, explico: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.)

Desde a descoberta de uma paixão mútua e obsessiva por cinema, eu e Rafa ficávamos ouriçados já na véspera. Empolgados como crianças atrás das sinopses e ingressos. A vida se suspendia naqueles dias tão fugazes. E as lembranças são deliciosas.

Overdose de Bergman na Cinemateca: êxtase. The godfather começando no exato segundo em que colamos nas duas últimas cadeiras que restavam na sala: I believe in America. Uma sessão que seria solitária e eu me sento e-xa-ta-men-te ao lado da minha amiga, na mesma sala, mesma fileira: a sessão não aconteceu, mas ficou marcada (você consegue imaginar qual a chance de duas pessoas escolherem a mesma sessão de um dos trocentos filmes listados, em uma cidade com zilhões de habitantes?). Ver uma diva pessoalmente, sem pretensões: estava aguardando o início da sessão e a Claudia Cardinale apareceu por lá, simples assim. Até ser entrevistada eu fui: saí da sessão, emocionada, e o repórter na minha frente, com a luz na minha cara (justo eu, que amo o anonimato); só fui descobrir que passou na TV no dia seguinte, quando um amigo me escreveu. E foi há dois outubros, exatamente num dia de mostra, que eu descobri que estava grávida: muitas emoções. :)

Aqui para as bandas das Minas Gerais, acordei minhas manhãs chuvosas de outubro com as maritacas alvoroçadas e dormi sem o burburinho da Paulista em época de mostra.

Escolhas.

Já que não pude ver Kubrick, fui ver Cuarón. Não sou fã da Bullock e precisei ver Clooney nas mãos dos Cohen para aprender a gostar dele. Como aqui 99% dos filmes que aparecem no cinema são horrorosos, não podia perder a chance de ver um provável concorrente do Oscar para ter ao menos um pouco de diálogo com a cerimônia.

Vi sem ler sinopse. Deslumbrei. O filme é arrojado e sensível.

Amo sci-fi filosófico. E para não passar a vida apenas na nostalgia de 2001: a space odyssey, renovei minha paixão pelo (sub)gênero ao ver Gravity.

Aqui vai o trailer. Se você acha que a temática deste blog não está presente, repense.



Gravity: longa-metragem de 2013, dirigido por Alfonso Cuarón, roteiro assinado por ele e o filho, Jonás Cuarón. Protagonizado por Sandra Bullock, ao lado de George Clooney.

20 de setembro de 2013

retorno solar

– E aí, o que você vai fazer no seu aniversário? – meu irmão perguntou.
– Terapia – respondi.

Alguns acharam graça na minha resposta (aqueles que conseguem achar graça em piada de virginiano porque, cá entre nós, é um humor muito esquisito). O que poucos sabiam era que eu estava sendo verdadeira, para variar. 

Porque uma pessoa que se propõe a viver a vida intensamente – como eu costumava pregar, orgulhosa, na ignorância dos meus vinte e poucos – atrai experiências intensas. De diversas naturezas. E isso pode ser emocionante, mas também doloroso. Ou isso pode ser emocionante e também doloroso.

E porque, para não ficar só apurando meu mais recente comportamento obsessivo de assumir culpas – neste caso, por ter atraído a intensidade para a minha vida –, eu tenho que admitir minha essência almodovariana. É isso. Sou latina mesmo, no sentido batido, estereotipado, você pode dizer. Porque eu sofro, sou passional, solto o verbo, choro, fico abatida, levanto, sacudo e vamos festejar. (Claro, é uma faceta. Uma boa faceta do sangue hispano-italiano que corre nas minhas veias.)

Pensando só nesses dois aspectos, dá para deduzir o porquê da minha resposta.

Daí que eu, há alguns anos, venho dizendo que choraria muito quando me balzaquiasse.
Sei que o dia está apenas começando, mas depois de um despertar com flores e declarações de amor... ah, eu até desisti de pensar “what the hell eu fiz em três décadas?” e percebi que o peso pode ser mais leve.

É uma questão de ponto de vista.

Admito que viver no vale jupteriano sob a foice de Saturno não é um período fácil. (Se você passou pelos 28-30 sem se fazer um único questionamento existencial, devo te dar os parabéns pelo autocontrole; ou os pêsames pela falta de interesse por si mesmo ou por estar correndo atrás do próprio rabo e não ter se dado conta de uma oportunidade tão incrível de se transmutar, de se conhecer um pouquinho, de questionar suas fraquezas, de tentar trilhar um novo caminho.)

Ma-a-as, estamos aí.

Um novo ano, um novo lugar, uma nova vida.

Como diria minha grande amiga Cris, a roda tem que girar.

16 de julho de 2013

das Kind














No dia em que eu soube que estava grávida, sabia que era um menino; quando perguntada, dizia isso aos quatro ventos. Até que uma médica, talvez frustrada por não ter seguido carreira como futuróloga, disse, no primeiro (!) ultrassom, que havia grandes chances de o meu bebê ser uma menina.

Ah, sim, 50% de grandes chances, né, darling?

Não tinha como ela saber, mesmo que tivesse enxergado bionicamente um órgão primitivo mais para triângulo com ponta para baixo do que triângulo com ponta para cima. Pior: ela nem me perguntou se eu queria saber o que ela achava.

Enfim, sei que saí com cara de paisagem e, até que a grande medicina confirmasse, não disse mais que eu achava que era um menino. Não por quebrar expectativas minhas (eu não tinha nenhuma em relação a isso, tinha apenas a sensação de que era um menino), mas por medo de alguma parte subconsciente do meu ser rejeitar a possível menina. Ai, coisas que passam na cabeça de uma mãe.

Não era menina nada, mas a grande medicina demorou para nos contar. E nesta espera, barrigão andando para lá e para cá, eu não aguentava mais as pessoas querendo saber tanto qual era o sexo do meu filho. Sim, “a importância dada ao sexo do bebê” foi uma das várias filosofações* que tiraram o meu sono durante a gravidez. Porque eu não me importava, não fazia diferença. Vou amar mais ou menos o bebê por ter recebido um X ou um Y do pai dele? Não.

Mas eu me perguntava: Por que as pessoas dão tanta importância para isso? Por que elas querem saber? Se for menino, já vão criar um milhão de expectativas em cima do meu bebê para que ele seja um futuro-macho-provedor-engenheiro-que-gosta-de-futebol-e-não-chora? Ou, se for menina, uma futura-moça-delicada-com-as-unhas-sempre-feitas-que-trabalha-para-ajudar-em-casa? Só pensava nesses estereótipos ridículos. Só pensava na repressão que a sociedade já queria depositar sobre o meu filho (ou filha, de acordo com a médica não futuróloga).

Só me importava que meu filho fosse um ser humano saudável, feliz e LIVRE para ser quem ele quisesse.

Tá, tudo isso para falar deste filme: Tomboy, que eu vi quando estava grávida e que alimentou a minha rebeldia questionadora em relação à importância dada ao sexo. Este filme me fez refletir ainda mais sobre sexualidade, gênero, infância e criação.

É um filme lindo, dessas pérolas francesas delicadas, engraçadas e tocantes.



Tomboy é um longa-metragem de 2011, dirigido por Céline Sciamma; o roteiro também é dela. No papel principal, Zoé Héran./ Acima, foto de uma cena do filme./ *Não, "filosofação(ões)" não consta no Vocabulário Oficial da Língua Portuguesa./ Aqui, trailer tirado do YouTube.


24 de junho de 2013

surpresa

Você sempre ouviu dizer que a vida mudaria quando você se tornasse mãe. 

Você pensou no máximo possível imaginável de mudança, porque sua mente racional e analítica (características supervalorizadas pelo seu século e esperadas de mulheres como você, profissional competitiva) sempre trabalhou com margens além e aquém do esperado para poder administrar uma constante mais ou menos constante, uma vez que as variáveis já teriam sido vislumbradas na sua cabeça. 

Mas é
muito
muito
muito mais do que você esperou que fosse, na hipótese mais absurda que pudesse algum dia ter passado na sua cabeça.

Primeiro, emoção+amor+medo+já era! Não tem mais volta. E no meio daquele sentimento lindo e colossal que você nunca imaginou que pudesse sentir por um ser-aspirante-a-pessoa, tem: A minha liberdade! O que eu faço com ela?

Depois, crise de identidade. Sim, a começar pelo motivo mais óbvio e simples: você não é mais “eu”, você é “nós” (no mínimo dois). De um singular que o seu cérebro se programou desde quando a sua cara ensebada viu o mundo até o dia em que as duas listras vermelhas viram você, você se transmuta num plural, assim, simples assim, como alguém resolve trocar a marca da manteiga. Imagino o cérebro durante a gestação: E-e-ei, como assim? Bom dia para vocêS?! Eu amo vocêS?! Como estão vocêS?!

, você vai lá, passa uma gestação tranquila e feliz, faz uma previsão, com margem de trinta dias “pré”, trinta dias “pós”, calcula todas as efemérides e faz um gráfico das possibilidades astrológicas do mapa natal do seu futuro bebê.

Um belo dia, você acorda, vai trabalhar, volta, dorme e – plim! – seu bebê resolveu nascer (afinal, a vida é dele). Você não está com a mala pronta, não está com o quarto pronto, não está com a vida pronta. Você está com a roupa do corpo, esperando alguém dizer que foi só um susto.

Não, não foi.

(Se você acha que controla a sua vida, você é uma idiota. Se você é mãe e acha que controla alguma coisa na vida do seu filho, você é mais idiota ainda.)

Um outro belo dia, mesmo depois de perceber que a vida de mãe não é a que você leu na Pais&Filhos, que o cursinho de gestante não serviu para nada e que a sua velha expectativa foi enterrada num buraco bem fundo, junto com aquela identidade pré-maternidade, você acorda às cinco e quinze da manhã, olha para o seu bebê no berço – com um sorriso banguela de bom-dia – e pensa:

– Meu Deus, eu sou a pessoa mais feliz do mundo! 

11 de junho de 2013

um filme-homenagem























Quando fui assistir pela primeira vez a Le voyage du ballon rouge, na fila do cinema encontrei uma mulher (gentil, discreta, agradável) que começou a puxar papo comigo. Trocamos algumas palavras e ela me contou que tinha escolhido aquele filme porque tinha visto, anos atrás, Le ballon rouge, o média que serviu de inspiração para este longa. Achei aquilo incrível. Afinal, é para poucos o privilégio de poder ter visto este clássico no cinema, numa mostra. Além do mais, gosto dessa sensação de diferentes propósitos para um mesmo fim: ela estava ali, na expectativa de uma experiência ao menos próxima da que tinha vivenciado anos atrás; eu, bom, eu só tinha grifado uma sinopse de quinze palavras “que me diziam algo”. Nós nos encontramos na saída. Ela tinha gostado do filme; eu tinha adorado. Com aquela cara-amassada-pós-sessão, saí da sala encantada pela simplicidade do que eu tinha visto.

Le voyage é um filme lindo, leve, que retrata um balão, um garoto. Paris. Sua babá, sua mãe. Tive a sensação de assistir a um momento da vida daquelas pessoas, com um toque de poesia, de fábula. Tudo é bastante trivial, faz parte do cotidiano daquela criança, faz parte do universo da infância – inclusive o balão. Mas a delicadeza é que, embora o balão faça parte deste universo e seja também trivial, a forma como ele aparece no filme não é. Sempre à espreita do garoto, o balão é livre, e suas aparições parecem querer nos mostrar que há... algo mais. E há: a imaginação. Com mais liberdade – e permissão – na infância, mas não restrita a ela (no filme, a babá tem o cinema, a mãe tem as marionetes), a imaginação está em todos os lugares, em todas as pessoas.

Mesmo sem pensar, assim, no que há de mais sublime, adoro Le voyage pelo retrato honesto das pessoas. A mãe agitada, a babá tímida, o menino espontâneo; a relação entre eles. As cenas do balão sobrevoando Paris – a câmera seguindo seu mesmo ritmo, “despretensioso” – são de uma beleza única. Ah, e Juliette Binoche faz o papel da mãe. Sobram motivos para querer rever este filme.




Le voyage du ballon rouge (“A viagem do balão vermelho”) é um longa-metragem de 2007, dirigido por Hou Hsiao-Hsien. Le ballon rouge (“O balão vermelho”), o média-metragem homenageado, é de 1956, dirigido por Albert Lamorisse. Lindos, os dois.

Sobre a imagem lá em cima: pôster criado por Kayan ChanCopyright © 2011 Kayan Chan. (Reprodução gentilmente autorizada pela  artista.)

5 de junho de 2013

primeira conversa

Mãe tem que ser forte, ela me disse.

Putz, doeu.
É batido, tá. Eu já sabia, já.
Mas é diferente quando você sente a frase, não apenas ouve.
Respirei fundo: eu não aguento mais.
Eu também não. (Surpresa.)
Ela também deve ser mãe, pensei.
Mas o que mais eu tenho que fazer?? Entrar lá, vestida de palhaça, como se nada estivesse acontecendo?

Não era isso. Eu só tinha que continuar.
Meu filho precisava de mim. Forte, em pé, controlada.

Controle??
Uma vez, Saturno riu da minha cara:
Querida, você acha que controla alguma coisa? Ilusão!
Ah, mas é tão bom viver dela...

Enxuguei as lágrimas, lavei aquela cara imensa e voltei.

– Oi, meu amor. Está tudo bem. A mamãe está aqui.